04 abril, 2008

Os tíquetes do tempo

Com o propósito de reduzir os sofrimentos causados pelo estado de penúria em que viviam alguns segmentos da sociedade - aposentados, desempregados, deficientes mentais, vagabundos etc. - a prefeitura de Paris decidiu instituir a "carta do tempo". Uma forma legal de restringir o tempo dessas criaturas pouco ou nada produtivas e, com isso, de também lhes abrandar o presumivelmente infeliz existir. De maneira que, quanto mais inútil e sofrida era a criatura, menor era a quota de dias em que ela deveria existir no mês. Não esquecendo a prefeitura de Paris, para o controle da nova situação, de mandar imprimir os tíquetes ou cupons do tempo (embora os distribuísse aos interessados de um modo nem sempre justo).
Apenas o cidadão útil e plenamente feliz é que tinha direito a todos os cupons do mês.
Entretanto, aquilo que parecia uma boa medida da prefeitura, em pouco tempo, ensejou todo tipo de corrupção. Porque, por exemplo, os miseráveis passaram a vender os seus tíquetes do tempo aos mais abonados, ficando estes vivos-permanentes - aliás, uma condição já assegurada na lei - e, ainda, usufruindo de meses com até sessenta dias. E também porque possibilitou que, em toda Paris, acontecessem as mais difíceis cenas. Como a da esposa infiel e seu amante que, de tanto turibularem os dois no altar de Vênus... pimba, esqueceram o nihil! E somente retornaram quando o marido, que chegara um pouco antes do limbo existencial, encontrava-se já na alcova. De nada valendo argumentar que os dois não se conheciam (mesmo porque estavam despidos na cama).
Calma aí, leitores. Apenas dei guarida nestas linhas à idéia central de um conto de Marcel Aymé. Mas fico a imaginar se, num desses casos em que a vida imita a ficção, a coisa acontecesse no Brasil.

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