03 julho, 2011

O maquinista

Conto
Histórias tomadas da boca dos amigos e ajeitadas para caberem inteiras na tirinha que me deram a preencher. Esta é do Dr. Aloísio Horta, meu compadre, e do Dr. Custódio Alvarenga, meu quase-compadre, porque para ele me faltou um filho para dá-lo a apadrinhar.
São pessoas especiais para mim, e para quem deles se acercou algum dia para lhes sentir suas bondades. São os bons camaradas desta vida, exemplos de médicos com alma de anjo, que curam só com a presença, pois enfermidades são metade doença, metade carência, e o afeto é o melhor e mais doce dos remédios. O Aloísio já é um Monlevadense despedido: foi para a capital. O Custódio ainda está por aqui ao alcance de quem duvidar da história que vou lhes narrar.
Recém chegados a Monlevade, em plena temporada de frio junino, o telefone tocou na casa de um deles convocando-os para um atendimento de emergência. Um trem de minério da Vale do Rio Doce havia tombado a poucos quilômetros daqui e havia feridos. Prontamente, desceram para o local do acidente e lá souberam que ainda havia uma vítima debaixo das ferragens. Era o maquinista, que gemia e clamava por socorro. Dizia ter as duas pernas quebradas e não suportava mais a dor das múltiplas fraturas.
O chefe da estação quando viu chegar a dupla de médicos gritou para o maquinista aprisionado:
-Beraldo! Os médicos chegaram, tenha paciência que eles vão te salvar.
Mas, para surpresa de todos, o Beraldo se calou.
Daí em diante, a mudez do maquinista dificultou o atendimento. Como localizar o sobrevivente se ele havia se calado e se perdido naquele monte de ferragens?
Além da escuridão do local havia minério de ferro derramado junto aos destroços dos vagões retorcidos.
O que poderia ter acontecido com ele se há bem pouco gritava pedindo ajuda? Poderia ter desfalecido com a demora do atendimento. Quem sabe até morrido com a peso da locomotiva em cima de si.
E saíram, cada um com a sua lanterna, procurando o Beraldo. Anunciavam que os médicos estavam presentes e chegaram dispostos a dar alívio ao pobre maquinista sepultado.
- Beraldo! Beraaaldo ! Beraldô ! ... Os médicos chegaaaaram...
E nada do Beraldo responder.
Continuaram as buscas revirando ferragens e vasculhando com a lanterna os recônditos do trem acidentado. Finalmente encontraram o infeliz em estado lastimável, mas consciente e capaz de falar.
- Beraldo, porque você se calou justamente agora que os médicos chegaram?
E o Beraldo calado...
- Você não vê que atrasamos o seu resgate ao não ouvir sua resposta?
- Pensamos que você tinha piorado. Já estava todo mundo preocupado.
O Beraldo então abriu a boca:
- Num é por nada não. É porque vocês falaram que tinha chegado um médico.
Neste ponto ninguém entendeu mais nada. O maquinista não queria ser atendido, ou tinha pirado com a pancada? E o Beraldo, meio sem jeito, confessou:
- É que eu tenho medo de injeção.
Foi preciso sair todo mundo de perto segurando o riso.


Nelson José Cunha
médico em João Monlevade - MG

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