13 janeiro, 2012

Férias feridas

Fernando Gurgel Filho, de Brasília

Turismo sem mico ou, no mínimo, uma passagem inusitada, não tem graça.
Isto porque, além de todo turista ser um trouxa em potencial, a língua pátria se presta a malabarismos tão divertidos que até Camões, morto, deve duvidar até hoje.
Assim, noves fora os aeroportos, rodoviárias, estradas, restaurantes e muitos lugares ditos turísticos que são apenas enganação, férias são coisas maravilhosas e devem ser aproveitadas ao máximo.
Para mim, se for para colocar o carro na estrada, melhor ainda. Quando a família está toda confinada temos a certeza de episódios instrutivos.
Depois de algumas horas de estrada esburacada, o cara pega enfim uma reta. Numa subida, com um caminhão quase parando à sua frente e a estrada cheia de faixas contínuas. Depois de alguns segundos que parecem uma eternidade, a pergunta inevitável:
- Beinhê, quanto tempo ainda vamos ficar cheirando o escapamento desse caminhãozinho de merda? - pergunta a esposa, pacientemente.
Como pai de família responsável, respeitador das leis de trânsito, o cara informa:
- Não dá pra ultrapassar. É proibido. É uma subida íngreme. E esse caminhãozinho aí na frente é uma carreta, tem trinta e dois metros! Com esse tamanho não dá nem para sentir o odor do escapamento.


Depois de mais dois ou três comentários ácidos da esposa, o cara resolve ultrapassar de qualquer jeito. Acelera e, do nada, surge um outro caminhãozinho descendo a ladeira, buzinando igual uma locomotiva. Dá tempo apenas de voltar para trás da carreta, sentindo até o deslocamento de ar na orelha.
- Idiota, quer matar todo mundo? Não tem responsabilidade, não? Deve ser a idade, daqui a pouco não dá mais para pegar estrada com você, dirigindo assim sem prestar atenção, parece até um alucinado, blablablá, blablablá, blablablá...
Se o cara tiver sorte, a esposa deverá reclamar apenas mais umas duas ou três horas até parar. Terá mais sorte ainda se, até o fim das férias, ela já tiver esquecido o episódio. É bem provável que sim, porque outros episódios surgirão. Claro.
Como as placas ao longo das rodovias. Não há nada melhor para distrair a atenção:
Criativa: "Não percam as Feijoadas do Sábado. Todas as sextas-feiras". "Sábado" deve ser o cozinheiro.
Verdadeira: "A 100 metros: Comida Aquilo". E é "Aquilo", mesmo, sem sombra de dúvida!
Poliglota: "O melhor selve-serfice da região". No dialeto inglês-brasileiro.
E ainda temos que constatar que todo frentista de posto de gasolina é obrigado a saber ensinar todos os trajetos da região:
- Por favor, amigo, onde pego a BR 101?
- Seguinte: o senhor segue direto naquela avenida ali, passa três semáforos (ou farol, sinal, sinaleiro) e entra à direita, depois do viaduto entra à esquerda na avenida Marechal Espada Torta, aí vai dar numa praça...
- Vou dar nada!
Risos.
- Desculpe. O senhor vai chegar numa pracinha. Contorna o balão (ou rotatória, círculo, queijinho, rótula), pega a segunda saída à direita e segue reto. Passa mais dois semáforos (ou farol, sinal, sinaleiro) e entra à esquerda. Vai dar fácil na BR 101.
- Brigado!
Sem risos. Mas temos que parabenizar esses googles tupiniquins. Não erram nunca. Mesmo porque, antes de chegar ao balão (ou rotatória, círculo, queijinho, rótula) já não sabemos mais para onde ir.
- O rapaz ensinou certo, você não prestou atenção, diz a esposa convicta e emburrada.
E todos os vendedores de praia devem ser mestres em meteorologia:
- E aquelas nuvens? Chove hoje?
- Pode até chover, mas passa rápido.
A chuva começa com uns pingos, fininha, e logo despenca um temporal. Demorado.
- Cê num disse que a chuva passa rápido?
- Passou rapidinho: de fina pra grossa.
Tome gargalhada geral. Mas também temos que parabenizar esses sábios. Na língua pátria, difícil é errar uma previsão dessas.

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