04 março, 2018

Freud e o trauma do Nobel

por Gaël BRANCHEREAU, YAHOO!
AFP, 1º de outubro de 2017 - O Nobel não só ignorou Sigmund Freud, como o comitê que atribui o prestigioso prêmio deixou para a posteridade comentários devastadores sobre o pai da psicanálise.
Sua candidatura ao Nobel de Medicina ou Fisiologia foi apresentada em 1915 pelo neurologista americano William Alanson White. Freud (1856-1939) foi candidato no total 12 vezes, apresentado por diferentes personalidades até 1938, um ano antes de sua morte no exílio londrino.
Freud também foi candidato ao Nobel de Literatura.
Em 1937, nada menos que 14 cientistas - vários deles premiados com o Nobel - apadrinharam o médico vienense que não hesitava em se comparar a Copérnico e Darwin. Em vão.
Rapidamente, Freud "compreendeu que não podia alcançar um Nobel científico. A psicanálise não podia ser considerada uma ciência já naquela época. E isso o magoou", explica Elisabeth Roudinesco, autora de "Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo".
Em 1929, o professor Henry Marcus, do Instituto Karolinska - que atribui o Nobel de Medicina -, resume cruelmente a desconfiança do mundo científico com as teorias freudianas.
"Toda a teoria psicanalítica de Freud, tal como a conhecemos, constitui uma hipótese", segundo a qual a neurose é consequência de um trauma sexual infantil, algo que não pôde ser demonstrado ainda em casos em que este trauma realmente existe", escreve Marcus em um documento recuperado em 2006 pelo universitário sueco Nils Wiklund. As deliberações dos comitês Nobel se mantiveram em sigilo durante meio século.
Elisabeth Roudinesco admite: "Seus críticos têm razão sobre o complexo de Édipo porque o transformou em dogma", mas descartar o conjunto da reflexão freudiana é um erro.
Antes de Freud, "todos os psiquiatras consideravam a mulher histérica como uma louca, o menino que se masturbava como um perverso e o homossexual como um degenerado", lembra a historiadora.
- Estilo muito bom -
Diante da indiferença dos comitês Nobel científicos, a princesa Marie Bonaparte, sua amiga e tradutora ao francês, mobiliza apoios para fazer atribuir o prêmio de Literatura ao então septuagenário, que sofre desde 1919 de um câncer de mandíbula.
Nobel de Literatura em 1916 (já que em 1915 ficou sem ganhador), foi o escritor francês Romain Rolland que solicitou a máxima recompensa dos poetas e romancistas para quem nunca publicou uma única linha de ficção em sua vida.
Em 20 de janeiro de 1936, o autor do romance "Jean-Christophe" escreve à Academia sueca para propor o nome de Sigmund Freud, com quem havia se correspondido.
Nesta carta, à qual a AFP teve acesso, o escritor propõe contrabalançar as reticências dos acadêmicos suecos: "Sei que à primeira vista o ilustre sábio pareceria estar destinado mais especialmente a um prêmio de medicina".
Em seguida, se entusiasma: "seus grandes trabalhos (...) abriram uma nova via à análise da vida emocional e intelectual, e há 30 anos a literatura recebeu sua profunda influência".
Rolland omitiria ressaltar que o amigo havia recebido em 1930 o prestigioso prêmio Goethe.
Hallström, secretário perpétuo da Academia sueca da época, reconheceu "a perspicácia, a fluidez e a clareza dialética" de Freud.
"Seu estilo literário também é indiscutivelmente bom", prosseguiu, antes de acrescentar uma nuance devastadora: "Salvo, talvez, 'A interpretação dos sonhos', obra sobre a qual está baseada toda a sua doutrina". Freud, conclui, "não merece os louros do poeta, embora como cientista tenha feito muita poesia".
Fim da discussão.
- Einstein, seu maior inimigo -
Oitenta anos depois, o diretor administrativo da Academia tenta aparar as arestas: "a concorrência era muito forte" naquele ano de 1936 que viu a consagração do dramaturgo americano Eugene O'Neill, lembra Odd Zsiedrich.
Ao contrário de Freud, com quem publicou "Por que a guerra?", em 1933, Albert Einstein (1879-1955) inscreveu seu nome na página de glórias do Nobel, atribuídos pela primeira vez em 1901. Proposto em 11 oportunidades, levou o prêmio de física em 1921.
Em 1928, Einstein se negou a apoiar a candidatura de Freud ao prêmio de medicina. Será que o médico vienense soube disso algum dia?
"Sou incapaz de formar uma opinião de fundo sobre as teorias freudianas e menos ainda a emitir um juízo autorizado", destacou Einstein naquela época.
Em 1939, após ler "O homem Moisés e a religião monoteísta", a última publicação de Freud, o pai da teoria da relatividade geral lhe fez um elogio bastante ambíguo: "admiro especialmente essa obra, assim como todas as outras", antes de acrescentar: "de um ponto de vista literário".

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